Luta pelos direitos, contra a escravidão, preconceito, discriminação, disseminação de ódio e violência são temas debatidos e vivenciados por mais da metade da população brasileira. O 20 de novembro é marcado pelo dia da consciência negra, que traz em sua história, marcas de dor e sofrimento, mas principalmente de muita resistência e determinação. Na Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac) um Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e indígenas (Neab), reúne pesquisadores e professores para fazer o resgate da história.
Zumbi dos Palmares é considerado uma liderança, um símbolo de resistência. Conhecido por ser líder de um quilombo, ele foi morto em 20 de novembro de 1695 pelo capitão Furtado de Mendonça a mando de Domingos Jorge Velho, um bandeirante brasileiro responsável pela destruição do quilombo dos palmares. Zumbi era filho de africanos escravizados, foi educado por um sacerdote e ao retornar lutou para que o quilombo não fosse destruído pelos colonizadores que consideravam aquela junção de negros libertos da escravidão, um perigo para a sociedade. O quilombo ficava localizado na Serra da Barriga e reuniu mais de 20 mil habitantes.
Mais de 300 anos se passaram até a criação da data que une o assassinato de Zumbi, com um dia voltado a lembrança e resgate histórico dos africanos e afro-brasileiros. A pesquisadora, professora e coordenadora do Neab, Nanci Alves da Rosa fala que é importante celebrar a data, porque além de tratar da morte de Zumbi, o tema chave do dia 20, faz com que toda a população negra e não negra conheça a história de luta que vem desde o início do Brasil. "É preciso tratar com mais responsabilidade esse assunto, e que exista realmente uma equidade. Só que isso só vai acontecer através da informação e da democracia onde as pessoas negras possuam acesso e oportunidades de frequentar os mesmos lugares, seja por cotas ou não". Segundo a professora esse dia traz a oportunidade de resgatar essa pauta, de discutir anseios e ascensões sociais.
Nanci lembra que o Brasil avançou muito na distinção social e étnica, mas que isso só foi possível por meio do movimento negro que muito lutou para ter acesso aos bens que o país usufrui e produz. "Isso vai além Brasil, a década do afrodescendente traz essa preocupação para todos os países, verificando as condições e oportunidades que estão tendo em seus países de origem. O 20 de novembro para o Brasil, faz toda a diferença, não somente pela quantidade, até porque se for analisar, mais da metade da população brasileira é negra, mas é por conscientização." Segundo ela, essa conscientização é importante para que as pessoas conheçam o que é ser negro, "não basta ter cabelo crespo ou olhar a cor da pele, mas ter o olhar crítico e entender a sua importância na história do país."
Essa data é feriado em seis estados como o Rio de Janeiro, Mato Grosso, Alagoas, Amazonas, Amapá e Rio Grande do Sul, somando mais de mil cidades. "A mídia abre espaço para a discussão através dessa mobilização. Felizmente nomes, pessoas notáveis e inventores começam a aparecer mais, é esse protagonismo que nós queremos, é exemplos positivos que precisamos mostrar para as crianças, por exemplo, porque em pontos negativos, infelizmente já está extremamente forte dentro da questão histórica da colonização brasileira". Para Nanci não é somente questão educacional ou de protagonismo, mas sim para que haja um entendimento da religiosidade, da forma de se vestir, de viver e de falar, para que diminua o estranhamento do 'diferente', "é essa diversidade que a gente pontua, onde todos tenham o mesmo valor".
Escolas de todo o país tem obrigatoriedade de inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”
Pela lei nº 10.639 de 2003, o currículo escolar de todo o país tem a obrigação de inserir a temática no estudo. Foi nesse mesmo documento que o calendário escolar precisaria incluir a lembrança do Dia Nacional da Consciência Negra. A pesquisadora do Neab, Carolina Rovaris, fomenta que a data é uma forma de reconhecimento, valorização e homenagem, mas também para garantir a obrigatoriedade do estudo. "O que outros pesquisadores apontam é que anterior a obrigatoriedade, nós tínhamos muita ausência dessa temática, então o que as diretrizes propõem é que junto com a data os professores precisam trabalhar esse assunto, é lei." Apesar da data existir, ela foi oficializada somente em 2011, pela Lei Federal nº 12.519/11.
"Essa proposta é promover uma reflexão sobre negros e sua inserção na sociedade. Nós vemos muita desigualdade ainda, nos bancos escolares e no mercado de trabalho, por exemplo, são muito grandes", completa.
Outros 'Zumbi dos Palmares' nascem todos os dias
Com outros nomes, muitos homens e mulheres lutam e mostram a sua bravura. Em Lages, as famílias negras constroem parte da história. Nanci lembra do Centro Cívico Cruz e Souza, que inicialmente foi criado para famílias negras que não eram aceitas em outros clubes da cidade. A concentração das famílias negras em Lages, iniciou-se no bairro da Brusque, o segundo da cidade, hoje segundo informações do Neab os principais locais de moradia são os bairros da Habitação, Várzea e Petrópolis.
"É possível fazer um resgate histórico e constatar que naquela época, o bairro da Brusque tinha uma presença muito forte do carnaval e todas as manifestações culturais e religiosas, que hoje estão sendo sufocadas", comenta Nanci. "Enquanto se valoriza a cultura de alguns lugares, a cultura afro parece não ter a mesma importância. Se não houver pessoas que lutem bravamente para mostrar que é importante sim, as portas se fecham e a cultura que é riquíssima fica esquecida."
Para as pesquisadoras, o preconceito começa nesse ponto, da cultura. "Enquanto houver pessoas que digam, "tá tudo bem, tudo certo" e a todo momento existir alguém sofrendo por preconceito e discriminação, os 'Zumbis' não acabarão nunca, pelo contrário, eles nascem a cada dia e se renovam.", finaliza Nanci.
Na história existiram inúmeras formas de exclusão e violência contra a população negra. "A partir dessas situações, eles tiveram que se reinventar nas formas de resistência. Então se lá no século 16 Zumbi lutava de uma forma, hoje as lutas são outras, desde a valorização da raiz africana até a implementação de políticas públicas. A luta nunca acaba, só modifica a forma de lutar", complementa a pesquisadora Carolina Rovaris.
Evento na Uniplac, marca o Dia da Consciência Negra
O Núcleo de Estudo Afro-Brasileiros e Indígenas, promove uma roda de conversa com alguns integrantes do núcleo, todos acadêmicos ou egressos da universidade. Dionathan Souza, egresso de jornalismo, fala sobre a produção do documentário do Centro Cívico Cruz e Souza, produzido ano passado pela comemoração do centerário. Uma egressa do mestrado em educação, Elisângela Fontoura, fala sobre a sua pesquisa de mestrado, relacionado às Morenas do Divino, uma comunidade de mulheres negras em Rio Rufino que atua a partir da economia solidária. Encerrando a programação a bolsista do Neab há dois anos e acadêmica de Arquitetura e Urbanismo, Suelen Andrade.
O evento ocorre no anfiteatro II, no bloco 1 da Uniplac, a partir das 19h. A roda de conversa é aberta aos acadêmicos e toda a comunidade externa. O objetivo é divulgar as pesquisas do núcleo para que o público tenha conhecimento das diferentes temáticas que podem ser abordadas dentro do âmbito histórico e cultural africano e também indígena.
Texto: Luan Turcati / Foto: Jary Carneiro - Central de Notícias Uniplac (CNU)